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O nome da Via Anhanguera
Por Luiz Haroldo Gomes de Soutello
Presumo que ainda seja de conhecimento geral que o nome da Via Anhanguera é uma homenagem ao bandeirante Bartolomeu Bueno, conhecido entre os índios como Anhanguera (Diabo Velho), porque eles o acreditavam feiticeiro. E presumo que ainda ensinem, nas escolas, que foi o Anhanguera quem descobriu as minas de ouro de Goiás.
A Via Anhanguera leva esse nome porque um trecho dela corre paralelo ao trajeto percorrido a pé pelo Anhanguera para chegar às minas de Goiás. Esse trajeto partiu de Santa Ana de Parnaíba, onde ele morava, e cruzou Jundiaí beirando a Serra do Japi até a altura do atual Bairro do Poste.
A família do Anhanguera tinha diversos laços de parentesco com a família de Petronilha Antunes, e ao menos um com a família do segundo Rafael de Oliveira, que são os fundadores “oficiais” de Jundiaí. Isso no século XVII, porque desde então os casamentos entre descendentes se multiplicaram.
O Barão de Jundiaí, por exemplo, era descendente de um tio do Anhanguera.
O tronco dos Bueno paulistas foi o avô do Anhanguera, também de nome Bartolomeu Bueno, que veio para o Brasil em 1581, em uma esquadra de patrulhamento da costa, integrada por muitos navios e comandada por Diogo Flores de Valdez.
Esse Bartolomeu ancestral nasceu em Sevilha, mas residiu algum tempo em Lisboa, em um bairro portuário chamado Ribeira das Naus. Por isso ficou conhecido em São Paulo como o Sevilhano, e também como o da Ribeira, o que explica porque uma parte da descendência usou o nome Bueno de Ribeira.
É provável que esse primeiro Bartolomeu Bueno tenha trabalhado em construção naval quando residia na Ribeira das Naus, porque veio como carpinteiro de bordo, que, naquele tempo de navios de madeira, exercia funções semelhantes às hoje exercidas por um engenheiro naval de manutenção.
Segundo o historiador Francisco de Assis Carvalho Franco, o Sevilhano casou em São Paulo, em 4.8.1590, com Maria Pires, filha de Salvador Pires e de Mécia Uçú (neta mameluca do cacique Piquerobí). Esse casamento deu um considerável upgrade social ao recém-chegado Bartolomeu, pois os Pires eram, na ocasião, a família mais rica e politicamente mais poderosa de São Paulo, onde aquele genro logo foi eleito vereador.
Na geração seguinte, os filhos do Sevilhano consolidaram a posição social por meio de casamentos bem escolhidos. A filha Isabel e o filho Bartolomeu casaram na família Camargo, que já rivalizava com os Pires como família mais poderosa. O filho Jerónimo Bueno casou com uma irmã da nossa Petronilha Antunes, ambas filhas do bandeirante Manuel (Antunes) Preto, o conquistador do Guairá, dono de uma imensa sesmaria entre o Rio Tietê e o Rio Juqueri. Foi a partir da sesmaria do pai que Petronilha Antunes veio ocupar terras no Sertão do Jundiahy, na direção de Ivoturucaia.
Um irmão de Petronilha, António Preto, morador em Jundiaí, casou com uma prima do Anhanguera, filha de Amador Bueno de Ribeira, que em 1641 foi aclamado rei dos paulistas pela numerosa população de origem castelhana. Amador teve o bom senso de recusar essa coroa, que teria sido efêmera e resultaria no retorno ao domínio de Castela de uma parte considerável do território brasileiro conquistado pelos bandeirantes para além da divisa traçada pelo Tratado de Tordesilhas (cf. Afonso de Taunay, “Amador Bueno e outros ensaios”).
Outra filha de Amador Bueno, Mariana Bueno, também prima do Anhanguera, casou com um primo de Petronilha Antunes, Sebastião Preto Moreira, com vastíssima descendência. Esse casamento é o tema central do romance “Amador Bueno, o Aclamado”, escrito pelo historiador Aureliano Leite, que utilizou vasta bibliografia para reconstituir com fidelidade o contexto social da época. Parece mais livro de história do que romance.
Maria de Ribeira, filha do Sevilhano e tia do Anhanguera, casou na nobreza, com o fidalgo português João Ferreira Pimentel de Távora, que era descendente remoto de Dom Pedro III de Aragão. Desse casal descendem os Franco Bueno de Atibaia e provavelmente também os Franco Bueno de Jundiaí. Talvez o nosso historiador Roberto Franco Bueno possa confirmar isso.
Outro filho do Sevilhano, Francisco Bueno, comandou uma bandeira que estava no sertão em 1637. Dessa bandeira participou João Paes Málio, genro da nossa Petronilha Antunes e vereador em Jundiaí na primeira legislatura. Francisco Bueno teve apenas dois filhos: o Anhanguera e Ana, casada com Jerónimo de Camargo, que foi um dos primeiros moradores de Jundiaí e que, mais tarde, fundou Atibaia.
O Anhanguera casou com Isabel Cardoso, tia de João Leme do Prado, por sua vez casado com uma filha do segundo Rafael de Oliveira. João Leme do Prado foi vereador em Jundiaí nas primeiras legislaturas, e foi pai de António Leme do Prado, talvez a primeira criança de sangue europeu nascida no primitivo arraial jundiaiense.
Como se vê por esses exemplos, que não são os únicos, a aventureira e turbulenta história dos Bueno está fortemente entrelaçada com a história de Jundiaí, e são numerosos os jundiaienses em cujas veias corre uma parcela de sangue Bueno. É coerente pois que a principal estrada de Jundiaí leve o nome de Via Anhanguera.
Luiz Haroldo Gomes de Soutello é escritor e advogado