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Estamos na Nossa nas lembranças deixadas por Picôco Barbaro
Resgatamos um texto do saudoso colunista social de um Carnaval que passou
Picôco Barbaro – fev.2016
Foi em 1968 ou 1969? Foi depois do AI-5 com certeza. Era tudo proibido, vigiado e delatado. Na Ponte São João, bairro tradicionalmente líder de reivindicações trabalhistas, fomentador de greves, um grupo de jovens proclamou um novo grito de guerra: Viva a Folia. Do Bar do Ênio Baialuna surgia o Estamos na Nossa.
Mambembe, batucada macarrônica, vestes despojadas, na verdade aos trapos, sem cordão de isolamento, sem batedores a abrir espaço, Norival Roberto Sutti desceu da Ponte do alto para a Ponte de baixo, pela Avenida São João. À frente uma rainha, uma porta bandeira tendo braços abertos como estandarte: Dagmar Fortes. Nunca mais o Carnaval jundiaiense foi o mesmo. Estava aberta a era do escracho, da irreverência, do deboche na contra mão da ordem de serviço militar.
Ninguém perfilava, ninguém dava ordem e ninguém obedecia: cada um na sua e todos na nossa. Por uns dois anos só no bairro. Depois, a arruaça a desafiar cronograma do Carnaval Oficial.
Figurinos
No primeiro ano de desfile oficial, no Centro, o saudoso estilista Carlinhos Spina confeccionou uma espécie de “jardineiro” com tecido de colchão. Tomava medida no olhômetro: pequena, média e grande eram as metragens muito antes da indústria adotar esse critério de massificação para o varejo. Na fora de entregar as “fantasias” a medida transformou-se num dá uma pra mim, qualquer uma serve.
Só depois com a Delzira é que os tamanhos foram respeitados, ainda que a grande, por economia de tecido (um ano foi pano de lingerie), só coubesse pela metade na rapaziada um pouco mais forte.
Bebi muita Santa Margarida
Duas músicas foram adotadas pelo bloco antes de composições próprias. “Eram minhas as sandálias dela” e “ Vesti meu palhaço de bola com flor na lapela” e um outro trecho, “Bebi muita Santa Margarida e saí pela avenida desfilando a solidão”, escritas pelos irmãos Guilherminho e Duto Sperry e pelos saudosos Maurício Mojola e Eduardo (Mano) de Souza.
Um ano cantou-se “Vai Passar” do Chico. Depois veio a época de ouro das composições de Erazê Martinho, uma exclusividade para o Estamos na Nossa e das quais a Banda da Ponte se aproveitou. Sim, porque nos 1980 foi criado o primeiro desfile de rua independente pelo mesmo grupo do Estamos. Desfilava na Ponte e ia até o Centro: tudo e todos a pé dois, à exceção da Bandinha do Carlitos que ia de trenzinho.
Erazê eterno
Erazê Martinho compunha marchinhas carnavalescas tipo as de Lamartini Babo com igual genialidade. Zé Danon fazia a partitura e Cacilda Romero cantava para a bandinha de sopro tocar. Os temas do Estamos e da Banda: se a forma era de relaxo bem racional, o conteúdo era emocionalmente histórico.
Comemorou-se os 100 anos da Imigração Italiana, com homenagem ao Inos Corradin, e o aniversário dos 150 anos da Revolução Francesa. Eis as letras desses dois desfiles que Erazê compôs letra e música para ficar na história do Carnaval Jundiaiense.
“FUNICO AQUI, FUNICO LÁ”
Um “massolin” de Fiori
Para saudar o imigrante italiano
Um tamborim de amore
Viva Veneza! Viva o cais napolitano
É ou estamos na nossa
Sempre na sua chegando enfim
Brindando a colônia italiana
Com muita gana cantando assim:
Funico aqui, funico lá
Funico aqui, funico lá
É que nós viemos aqui pra funicá
Funico aqui, funico lá
Funico aqui, funico lá
É que nós viemos aqui pra funicá
Um “massolin”.
“ALLONS ENFANTS” DE JUNDIAÍ
Oh! Abre alas, ulá-lá
“Bon Jour noblesse” nosso bloco
Vai passar! Vai passar!
Sai da frente “Antoniette”
“Pompadour” me dá confete
Neste bloco é “bonsoir”
Deixa eu passar com “mon amour”
Vou pra Paris de Sajatour
Pra desfilar no “Panteon”
Na quarta-feira a gente faz “revolucion”
“Allons enfants” de Jundiaí
Revolução aqui pra nós e “déjà vu”.