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OSCAR 2022 – Os olhos de Jessica Chastain
Por Sarah Bulhões
Falar de “Os Olhos de Tammy Faye” sem falar de Jessica Chastain seria um sacrilégio. A atriz dispensa apresentações e nos presenteia com uma ilustre atuação, talvez a melhor de sua carreira, abraçando sua personagem de corpo e alma, com muita segurança, verdade e maestria. Por ser tão bom, chega a atordoar.
Uma atuação pensada e trabalhada para ganhar uma estatueta, mas que irá muito, mas muito além de apenas um prêmio. Ficará na memória, pois, mesmo quando o filme peca e temos que aguentar a cara amargurada e desconfortável de Andrew Garfield no papel de Jim Bakker, a atriz é capaz de, não só segurar, mas levantar a cena em questão de segundos e, por vezes, apenas com um olhar.
No papel de Tammy Faye, ex-televangelista conhecida por sua personalidade excêntrica e glamourosa, Jessica entrega tudo e mais um pouco. A transformação começa pela voz estridente, depois pela maquiagem exagerada e incrivelmente maravilhosa até às inúmeras orações desesperadas, clamando por Deus e, inclusive, pela frase icônica e muito repetida ao longo do filme: “God loves you. He really, really does”.
O filme é uma hipérbole. Tudo é exagerado. Entramos no universo espetacular, porém não necessariamente bom, do casal televangelista Jim Bakker e Tammy Faye, que construiu um império de sucesso nos anos 70 e 80, após criar a maior emissora religiosa, a PTL (Praise The Lord). Há figurinos extravagantes, sobrecarga de tons pastel, ostentação da época, músicas religiosas, versículos da Bíblia e a certeza de que todos merecem ser bem-aventurados, pelo menos era isso que o, até então, humilde Jim Bakker acreditava. Tudo isso embalado por um visual plástico encantador.
Por ser uma cinebiografia, o longa percorre a vida do casal, que veio de uma origem simples, porém com muita ambição, passando pela fama, pelo dinheiro infinito doado pelos fiéis telespectadores que acreditavam piamente no casal cristão, até a destruição de todo esse império por conta de acusações de fraudes e escândalos sexuais envolvendo Jim Bakker. Para narrar tudo isso, o roteiro não é dos melhores, mas essas falhas, assim como as falhas moralistas do casal, passam batido durante um bom tempo devido à excelente edição e direção de arte. E para que o telespectador entre ainda mais na trama, são usados recursos audiovisuais que trazem a sensação de um quase documentário, afinal, além da religião, a TV é um grande protagonista na história. Então por que não usar a metalinguagem?
O filme ainda nos oferece a chance de refletirmos sobre o papel da mulher em um universo empreendedor, de negócios e totalmente conservador, na altura dos anos 70 e 80. Na pele de Tammy Faye, vemos, em diversos momentos, uma mulher realmente devota, com uma fé (quase) inabalável, cheia de carisma, simpatia, amor ao próximo, com vontade e o ímpeto de, não apenas cantar, mas ser tão dona, tão presente, tão visível e tão importante quanto o seu marido Jim. Não à toa, Tammy Faye foi uma das primeiras televangelistas a apoiar abertamente a comunidade LGBTQIA+, mesmo sendo duramente criticada por seu marido e outros membros da emissora.
E se você assistiu ao filme “Judy – Muito Além do Arco-Íris” e se comoveu com a canção final, prepare-se para se emocionar com a performance encantadora de Jessica ou Tammy de volta aos palcos. Pode apostar… É lindo!
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Foto: Divulgação