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108
Por Carlos Pasqualin
Quantas vezes passei por aquele meio muro, meio muro cinza chumbo. Ela nunca se fez perceber, aquela que seria do meu mais secreto, o comum.
– Bom dia Senhor Silvio.
Resposta num tom absurdado.
– Bom dia senhora, desculpe, mas, como sabe minha graça?
– Desculpado. O Senhor disse ao mundo quando nessa calçada confirma ao telefone…“Sim aqui é o Silvio! ”, e como não ando distraída. – Prazer Senhor Silvio, Linda.
– O prazer é todo meu, Senhora Linda.
– E por falar em prazer, como anda sua negociação com a casa da praia?
– Mas…
– Sim Senhor Silvio o senhor expôs essa – levanta os dedos sinalizando entre aspas – negociação e a distração estava longe de mim, nesse dia seus passos eram lentos, existiu uma pequena pausa no caminhar e então estou eu, a saber, sobre o local, valores – levanta os dedos sinalizando entre aspas – a negociação.
– Puxa realmente a Senhora…
– Quanto ao resfriado, tem sentido melhoras?
– Nunca comentei sobre resfriados ao telefone.
– Mas tossiu, a voz esteve anasalada, espirrou.
Num tom sarcástico – E nem me desejou saúde? É de costume por aqui!
– Sim, em qualquer lugar esse gesto acontece.
– Qual?
– O de desejar saúde.
– E já que aparentemente não se distrai nunca, por que não o fez?
– O quê?
– Ora, o gesto de “saúde”.
– Fiz, quem distraído estava, era o Senhor, seu Silvio Freitas. Passar bem.
E adentra a sua residência.
Fico a espreitar curioso, tentando me lembrar dos momentos que transitei por ali, o que posso ter expressado nas tantas idas e vindas naquela calçada, exatamente no pedaço da fachada do número 108.
Carlos Pasqualin é diretor e ator de teatro e circo