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Jundiaqui

 Eu vi o espetáculo mais grandioso do Sesc
3 de abril de 2023

Eu vi o espetáculo mais grandioso do Sesc

A revista entregue na entrada, com a direção toda recepcionando os convidados, já deu sinais de que “Uma Leitura dos Búzios” é a grande aposta do ano no Sesc. Sessenta e quatro páginas que nos levam até a Conjuração Baiana, que nos livros de história também foi chamada de Revolta dos Alfaiates ou ainda de Revolta dos Búzios. Mas esqueça os livros e deixe a revista para saborear mais tarde, porque o espetáculo com 30 atores, cantores e dançarinos, selecionados entre mais de 500 candidatos, não pode ser resumido só em palavras ou algumas fotografias, porque envolve muito sentimento.

As palavras estão lá, palavras fortes que saem da boca de negros e negras, há canções de lamento, batuque que entra em nossa cabeça, imagens que se sucedem em ritmo acelerado no telão e no palco os corpos sempre em movimento, com giros, saltos, quedas e levantes. Tudo sincronizado, pensado e executado para fazer o espectador buscar ar lá no fundo, isso diante de racismo declarado, de denúncias de desigualdades de gênero e social, de escancaramento da política brasileira suja que insiste em nos rodear por séculos e séculos até os dias atuais.

Tão atuais quanto a necessidade de se responder quem mandou matar Marielle Franco ou como frear a disseminação das fake news. Ainda traz episódios que não podem ser apagados e que envolveram Chico Mendes e Dorothy Stang, entre anúncios de venda de escravos, como as amas de leite. É um desfile em tom avermelhado de denúncias no telão durante todo o tempo, registros do caso George Floyd, da morte de Martin Luther King, o massacre chinês da Praça da Paz, a Guerra do Iraque e por aí vai, intercalados por muito sangue, da carne de animais sendo cortadas, esquartejadas com facões e machadinhas. Uma alusão à carne do negro açoitado.

“Uma Leitura dos Búzios” ficou em cartaz de novembro do ano passado a fevereiro último no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, com público superior a 10 mil pessoas e teve casa cheia nas duas noites de apresentações em Jundiaí. Deveriam ser mais, mais gente merecia ver essa ação que mexe com cabeça e coração em um hora e quarenta minutos de arrepiar. Não foi uma ideia comprada, ao contrário, foi proposta pelo diretor do Sesc de São Paulo para marcar o bicentenário da Independência do Brasil. Danilo Santos de Miranda lançou o desafio de uma releitura de fato ocorrido entre os anos de 1798 e 1799 na Bahia para trazer à tona o sabido e também e mais importante, o silenciado.

Três brancos em “Uma Leitura dos Búzios” são caricatos: a rainha e seu filho, ambos gordos que gospem “castigos na medida certa”, como dizem, e um oficial de ordens. São ordenados enforcamento, açoite e demolição de casas com o terreno salgado para não mais ali se edificar nada… Estão instalados em um andaime de rodinhas, rodeados de livros e sedentos por mais e mais ouro. Os livros são só deles, porque os que vêm da França com ideias de liberdade, igualdade e fraternidade devem ser queimados. Há alguns outros brancos entre os revoltosos, mas são os negros ao longo do espetáculo que mais sofrem as consequências da insurreição – quatro ficam pendurados como se estivessem enforcados, cena chocante. Brancos usam um pó branco no rosto e batom vermelho vivo para reforçar a diferença.

Um outro andaime de rodinhas traz no topo uma negra careca com muitos detalhes no rosto e na cabeça em dourado. É a Pátria Mãe Brasil com seu canto de tradição banto, herança da África. Um canto triste, um lamento. Mas a armação serve para que outras cantoras subam e soltem a voz em canções mais pegadas de revolta e clamando a todos para que ajudem a mudar os rumos dessa história de que toda a riqueza é da coroa portuguesa, agora levando a capital do país da Bahia para o Rio de Janeiro.

De vestido de pano cru, o movimento intenso da dança dos revoltosos traz à frente do palco diferentes cantores e oradores, que vão revelando frases como “o poder assim como nós tem medo”, “o passado e o futuro nos gritam coragem” ou “que indignação é condição de mudança”. E que escutam conselhos de brancos como “vive mais quem olha pra baixo”, “que coragem demais chama a atenção e este morre cedo”…  Afinal, “um corpo preto em movimento sempre vai ser revolucionário”.

Tem folia do Carnaval, tem “Pai Nosso” musicado em cima de cenas de pecado, tem jogo de capoeira, atabaques, mas também música eletrônica, hip-hop, baixo e contrabaixo. Tem sonho de ser livre feito o vento e a triste realidade de cabeças cortadas para encerrar a revolta que queria a libertação dos escravizados e a independência em relação a Portugal. Inspirada nos ideais da Revolução Francesa e na Revolta de São Domingos no Haiti, primeiro o movimento teve o apoio das elites baianas, que queriam mais lucros aos próprios negócios, mas isso mudou ao longo dos meses e somente as lideranças pretas acabaram enforcadas e seus corpos esquartejados e exibidos em praça pública.

O público sai certo de que a orientação dos búzios é único caminho para o Brasil: devemos buscar a igualdade absoluta entre nós, como destaca Miranda ao final do editoral da revista.

A direção é de Marcio Meirelles, o roteiro de Mônica Santana, a direção musical de João Milet Meirelles e a de movimento de Cristina Castro.

Fotos: Divulgação Sesc
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