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Alma do Japi de Sônia Cintra
“ao longe / a névoa / se desprende / da mata / revelando / um leque / de colinas / mágicas”
Em 2003, em comemoração aos vinte anos do tombamento da Serra do Japi, a escritora e professora Sônia Cintra publicou o livro poético “Cantares do Japi”.
A edição foi da Laser Press, a capa organizada por Araken Martinho, as ilustrações por Inos Corradin e o apoio cultural do Gabinete de Leitura Rui Barbosa.
O publicitário e cronista Erazê Martinho, na contracapa, lembrava que amigos foram privilegiados com a leitura dos originais do livro e que ele falava do “paraíso que recorta o horizonte da cidade de mais lindas tardes ao pôr-do-sol”, como canta Dona Haydée Mojola, no Hino de Jundiaí.
No prefácio, o hoje secretário estadual de Educação, José Renato Nalini, apontava a histórica destruição do paraíso da natureza brasileira com uma conduta irracional e, na cidade, a serra era a nossa Montanha Mágica, a muralha que emoldura nossa gente e que se mantém ainda verde e ainda viva, a recordar à humanidade o significado da natureza que se pretendeu eterna.
“Ela clama por socorro. E a voz da poeta Sônia Cintra é o alerta que se inicial frágil e vai crescendo, torna-se grito e brado”.
O livro ainda homenageia o engenheiro agrônomo Antônio Araújo Vieira, então já falecido e pensador de meios de viabilizar a conservação da natureza. Algo que a poeta também fez de maneira seletiva em outros livros, homenageando músicos como aqueles dos Chorões do Japi, e ainda mais nas crônicas, como a que citou os painéis elaborados pelo jornalista e sociólogo José Arnaldo de Oliveira para a Base Ecológica da Serra em 2015.
Em seu “Cantares do Japi”, os poemas seguem quase uma ordem cinematográfica. Um dos primeiros chama-se “Parada”, e deve ser lido de maneira calma:
“a manhã / estava indecisa / entre sol e chuva / quando a pé / saí de casa / e pela calçada / estreita / atravessei a rua / controlada / pelo semáforo / que multa / entre / pessoas / apressadas / plantei-me / no ponto / d’ônibus”
A cidade, as pessoas e os detalhes cotidianos vão surgindo ao longo das páginas, passando da correria urbana para um bucolismo ainda rural. E conforme a serra vai ficando mais perto também é a natureza que cresce e brilha cada vez mais.
“ao longe / a névoa / se desprende / da mata / revelando / um leque / de colinas / mágicas”.
O caminho vai notando também os pequenos detalhes de manifestação de amor de pessoas pela natureza ou de resquícios antigos ou recentes de vida rural. E tudo vai se misturando com a própria identidade da escritora e da comunidade.
“pela borda / estreita / da mata / seguimos / o riacho / costurando / nas pedras / retalhos / de infância”
E a viagem segue caminho com atenção aos detalhes naturais do ambiente como macacos que olham os “turistas” ou aos detalhes humanos como o nome entalhado na casca de angico por “alguém”, ponteando de vez em quando um receio.
“os seixos / rolam / dias e noites / seguidas / nas águas / onde / veados e capivaras / matam a sede / com medo / das espingardas”.
A força de cada pequeno poema é intensa. Um trabalho de lapidação. Em outro momento, chamado de “Sinfonia”, ela surpreende o improvável.
“a música / do infinito / embala / todas / as folhas / que caem”.