
João Carlos Martinelli e a Biblioteca Macedo Soares
Por Luiz Haroldo Gomes de Soutello – A Academia Jundiaiense de Letras Jurídicas realizará, neste dia 13.12.2024, a confraternização com a qual encerra tradicionalmente as atividades do ano. Desta vez não será um jantar propriamente festivo. A pauta da reunião é tristonha, consiste em homenagens póstumas a um dos fundadores daquela instituição, o advogado e jornalista João Carlos José Martinelli, que nos deixou no correr do ano.
Para participar dessas homenagens, escolhi um fato pouco conhecido da biografia do homenageado. Em meu longo convívio com João Carlos, contou-me ele que, quando criança, costumava acompanhar o pai, o Comendador Hermenegildo Martinelli, nas visitas ao amigo Embaixador José Carlos de Macedo Soares. E nessas ocasiões, enquanto os adultos conversavam assuntos sérios, o menino João Carlos ficava brincando na biblioteca do Embaixador.
Não era uma biblioteca qualquer. Macedo Soares era um bibliófilo, colecionava livros pela raridade da obra ou da edição, ou pela beleza das encadernações artísticas. Reuniu assim uma enorme biblioteca, talvez a maior biblioteca doméstica do Brasil. Falava-se em onze mil volumes, embora talvez haja nisso um pouco de exagero. Estou convencido de que esse cenário incomum, que ficou marcado na memória do João Carlos, contribuiu de alguma forma para que ele viesse a se tornar, em adulto, escritor e acadêmico, como o foi o Embaixador José Carlos (utilizo aqui o nome de batismo porque há outros embaixadores Macedo Soares).
Escolhi esse fato porque me pareceu apropriado para a ocasião, eis que os Macedo Soares são uma família na qual houve numerosos e importantes juristas escritores. Um bom exemplo é o Conselheiro António Joaquim de Macedo Soares (1838-1905), tio do Embaixador José Carlos.
O Conselheiro Macedo Soares formou-se no Largo de São Francisco, em 1861. Magistrado de carreira, chegou como tal a Ministro do Supremo Tribunal Federal. Paralelamente, foi bucheiro no Largo de São Francisco e chegou a Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil no período de 1882 a 1901. Além de obras jurídicas, escreveu também estudos de genealogia, de história, de filologia, e um dicionário da língua portuguesa. Foi casado com a prima Teodora Álvares de Azevedo, o que serve de gancho para mencionar que os Macedo Soares do ramo paulista descendem de um tio do poeta Manoel António Álvares de Azevedo.
Serve de gancho também para mencionar que os Macedo Soares têm laços tribais com o Visconde do Uruguai e com o Visconde de Itaboraí, casados ambos na família Álvares de Azevedo. O Visconde do Uruguai (1807-1866), formado no Largo de São Francisco em 1831, também chegou a Ministro do então Supremo Tribunal de Justiça. Foi um pioneiro do direito publico no Brasil, havendo publicado, em 1862, o seu “Ensaio sobre o direito administrativo”. Quanto ao Visconde de Itaboraí (1802-1872), esse foi jornalista ativo além de político. Governou o Brasil duas vezes, durante o regime parlamentarista do Império, como Presidente do Conselho de Ministros nos períodos de 1852-1853 e de 1868-1870.
Poderiam ser trazidos muitos outros exemplos, antigos e recentes, mas seria enfadonho enumerar aqui todos eles.
Voltando então ao Embaixador José Carlos de Macedo Soares (1883-1968), formado no Largo de São Francisco em 1905, esse foi autor de numerosos livros, ocupou a Cadeira nº 1 na Academia Paulista de Letras e a Cadeira nº 12 na Academia Brasileira de Letras. Foi por duas vezes Ministro das Relações Exteriores, nos períodos de 1934-1936 e de 1955-1956. O fato de haver acumulado o fardão de diplomata com o fardão de acadêmico lhe valeu o apelido jocoso de Zé Fardão.
João Carlos Martinelli orgulhava-se de havê-lo conhecido pessoalmente.
Luiz Haroldo Gomes de Soutello é advogado, escritor e historiador