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Pianista jundiaiense ajudou a eternizar a música de Moraes Moreira
Baiano que faleceu nesta segunda-feira foi um revolucionário da MPB
Moraes Moreira mudou o pop brasileiro com suas composições, voz e violão, seja com os Novos Baianos ou em carreira solo. Sua música foi profundamente brasileira e também antenada com o rock. O músico morreu devido a um infarto agudo no miocárdio na manhã desta segunda-feira (13). Deixou um cordel chamado “Quarentena”, que escreveu em 17 de março.
Nascido Antonio Carlos Moreira Pires, fez história na MPB junto com parceiros como Luiz Galvão, Pepeu Gomes, Baby Consuelo, Paulinho Boca de Cantor e Tom Zé. Um instrumentista jundiaiense tem pelo menos duas ligações com a música de Moraes Moreira: Paulo Calasans está junto com o bom baiano no disco “Tropicália 30 Anos” e gravou “Apenas Palavras”.
MM
Em 1968, Moraes Moreira ajudou a criar o espetáculo que deu origem aos Novos Baianos, o “Desembarque dos Bichos Depois do Dilúvio Universal”. O grupo tocou no Festival da Música Popular Brasileira em 1969, com a música “De Vera”, de Moreira e Galvão.
No ano seguinte, o Novos Baianos faria sua estreia com o disco “Ferro na Boneca”. Em 1972, Moraes, Baby, Pepeu e outros lançaram “Acabou Chorare”, que juntava samba, rock, bossa nova, frevo, choro e baião. Com a regravação de “Brasil Pandeiro”, de Assis Valente, além de “Preta Pretinha”, “Mistério do Planeta”, “A menina Dança”, “Besta é Tu” e a faixa título, todas de coautoria de Moraes, o álbum é reconhecido como um dos melhores trabalhos do pop brasileiro.
O grupo foi morar em um sítio em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio, onde seguia a cultura hippie em plena ditadura militar. Lançou ainda três discos, sem tanto sucesso. Em 1975, Moraes deixou os Novos Baianos para fazer parceria com o guitarrista Armandinho. Em 1976, ele se tornou o primeiro cantor de trio-elétrico, ao subir no trio de Dodô e Osmar, e cantou a música “Pombo Correio” – os trios já existiam, mas sem o acompanhamento de cantores.
Em 1979, lançou o disco “Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira”, que incluía a musica “Santa Fé”, trilha de abertura da novela “Roque Santeiro”. Sua presença no trio e seus trabalhos solo foram muito influentes na futura formação da chamada “axé music” em Salvador. Ele seguiu lançando álbuns solo com sucesso nos anos 80, mas já fora do auge criativo dos anos 1970.
Em 1996, Moraes reuniu os Novos Baianos, e foi lançado o álbum ao vivo “Infinito Circular”, além de contar a história do grupo em formato de cordel. Em 2012, ele viajou pelo Brasil em uma turnê com seu filho, o músico Davi Moraes, e comemorou os 40 anos de “Acabou Chorare”. No dia 17 de março de 2020, ele escreveu seu último post no Instagram:
“Quarentena”
Eu temo o coronavírus
E zelo por minha vida
Mas tenho medo de tiros
Também de bala perdida,
A nossa fé é vacina
O professor que me ensina
Será minha própria lida
Assombra-me a pandemia
Que agora domina o mundo
Mas tenho uma garantia
Não sou nenhum vagabundo,
Porque todo cidadão
Merece mas atenção
O sentimento é profundo
Eu não queria essa praga
Que não é mais do Egito
Não quero que ela traga
O mal que sempre eu evito,
Os males não são eternos
Pois os recursos modernos
Estão aí, acredito
De quem será esse lucro
Ou mesmo a teoria?
Detesto falar de estrupo
Eu gosto é de poesia,
Mas creio na consciência
E digo não a todo dia
Eu tenho medo do excesso
Que seja em qualquer sentido
Mas também do retrocesso
Que por aí escondido,
As vezes é o que notamos
Passar o que já passamos
Jamais será esquecido
Até aceito a polícia
Mas quando muda de letra
E se transforma em milícia
Odeio essa mutreta,
Pra combater o que alarma
Só tenho mesmo uma arma
Que é a minha caneta
Com tanta coisa inda cismo….
Estão na ordem do dia
Eu digo não ao machismo
Também a misoginia,
Tem outros que eu não aceito
É o tal do preconceito
E as sombras da hipocrisia
As coisas já forem postas
Mas prevalecem os relés
Queremos sim ter respostas
Sobre as nossas Marielles,
Em meio a um mundo efêmero
Não é só questão de gênero
Nem de homens ou mulheres
O que vale é o ser humano
E sua dignidade
Vivemos num mundo insano
Queremos mais liberdade,
Pra que tudo isso mude
Certeza, ninguém se ilude
Não tem tempo nem idade
PAULO CALASANS E MORAES
Multi-instrumentista (toca com maestria violão, violino, flauta e órgão), o jundiaiense Paulo Calasans tem uma rica história na MPB, especialmente por acompanhar Djavan. Em dois momentos, fez trabalhos que o ligam a Moraes Moreira.
O primeiro momento aconteceu em 1997, quando Paulo gravou uma participação no piano no disco “Tropicália 30 Anos”, exatamente na música de abertura, “Tropicália”, em canção interpretada por Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé. Moares aparece em outras músicas.
O segundo deles foi ao gravar junto com Cássia Eller o álbum “Com Você Meu Mundo Ficaria Completo”, de 1999. Na sexta faixa é que aparece a composição do baiano em parceria com Marisa Monte, “Palavras Ao Vento”, com Paulo Calasans tocando maravilhosamente o órgão – com Luiz Brasil e Rodrigo Garcia nos violões.
“Ando por aí querendo te encontrar/Em cada esquina paro em cada olhar/Deixo a tristeza e trago a esperança em seu lugar/Que o nosso amor pra sempre viva…”, escreveram Moraes e Marisa.
Foi o quinto e último álbum de estúdio de Cássia Eller, indicado ao Grammy Latino de Melhor Álbum de Rock em Língua Portuguesa.
Paulo Calasans nasceu e cresceu em Jundiaí, filho do também músico Geraldo Calasans, que tocou em diferentes grupos e orquestras, com destaque para o Pio X. Fez aulas de violino no Conservatório de Tatuí e descobriu adorar o piano. Foi com esse instrumento que tocou com Djavan e Roberto Carlos no especial de fim de ano da TV Globo em 2017. Foi morar em São Paulo e depois no Rio de Janeiro, de onde vem visitar familiares. Em 2018, se apresentou duas vezes na cidade em shows no Koh Samui.
Por conta da pandemia do coronavírus, está em isolamento social em sua casa, até porque a turnê “Vesúvio” que estava fazendo junto com Djavan acabou interrompida no final de março.