
Raspadinha tem sabor de saudade
Em tempos de quarentena, com todos fechados em casa, a gente lembra de cada coisa… Essa quem recorda é Nelson Manzatto
Se existem lembranças que sobrevivem ao tempo, esse sabor é, com certeza, uma delas. Saída ou chegada ao Grupo Escolar Paulo Mendes Silva, na rua General Carneiro, esquina com a Fernando Arens, num prédio que hoje não existe mais, tinha sempre um sabor diferente: encontrar o vendedor de raspadinha!
Outras guloseimas estavam à venda no portão da escola: pipoca – que é uma das poucas coisas que sobrevive ao tempo, mesmo não sendo na lembrança –, quebra-queixo, algodão doce, e algumas já esquecidas pelos mais de 50 anos passados.
Biju também era especial, era diferenciado, pois havia uma roleta sobre o tambor que continha o produto a ser consumido com números. O comprador girava a roleta e levava o número de bijus apontado ali. A maioria ganhava apenas um, mas era o preço de cada rodada, mas o número mais alto era 9. E só conheço uma pessoa que conseguiu os 9, mas ao correr feliz para casa para mostrar aos irmãos, o vento havia levado tudo pelos ares.
Voltemos à raspadinha, que tinha o carrinho mais procurado pela garotada: o gelo raspado e colocado no copo de papel e cada um escolhendo o sabor: abacaxi, laranja, uva e o preferido por todos: groselha.
Groselha era o preferido pela cor, mas tinha meninos ou meninas que pediam ao vendedor para colocar todos os sabores, mas “fechar” com groselha. E o sabor era diferenciado: a doçura da groselha, o gelado na boca…
Claro que sempre vinha orientação de casa: não tomar muito gelado para não ficar resfriado, mas a gente tentava tomar cuidado: saboreava a groselha, sentindo o gelo descendo pela garganta e lembrando a orientação da mãe: tomar um gole de água para amenizar o gelo. Mas na escola, naquele tempo, não havia recreio, não se levava lanches, e os bebedouros eram, também, com água gelada, o que significava que nada reduziria o impacto da raspadinha que a gente não saboreava uma só. Resultado: no dia seguinte, garganta raspando – talvez para ser igual à “raspadinha…” – por conta do excesso de gelo e o “castigo” de ficar dois ou três dias sem o produto. Mas se até acabar a aula a garganta estivesse melhor, a alegria seria maior porque o carrinho da raspadinha estaria lá fora. Esperando pela gente…
Nelson Manzatto é escritor e jornalista