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A decisão militar
Por José Arnaldo de Oliveira
As Forças Armadas são a grande peça decisiva no quebra-cabeça político da crise brasileira. A ameaça do presidente Jair Bolsonaro de um “autogolpe” em meio ao isolamento diante da Suprema Corte e do Congresso Nacional – ao mesmo tempo em que avança em negociações com partidos do chamado Centrão – coloca-as no centro do palco.
O artigo 142 da Constituição as define “sob a autoridade suprema do Presidente da República” – mas nos objetivos de “defesa da Pátria e garantia dos poderes constitucionais”.
Também acrescenta que por iniciativa de qualquer destes (Executivo, Legislativo ou Judiciário) também inclui a “lei e a ordem”.
Neste caso, a atuação está definida no manual MD33-M-10 – Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), aprovado pela Portaria Normativa 186, de 31 de janeiro de 2014, do Ministério da Defesa. Caracteriza-se como uma operação militar determinada pela Presidência da República e conduzida de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio em situações de esgotamento dos instrumentos previstos no artigo 144 da Constituição – ou seja, as polícias federais e estaduais.
Nos últimos sete anos, a chamada direita brasileira teve três dimensões. Em 2013, as jornadas estudantis da geração que hoje chega aos 20 ou 24 anos de idade evidenciaram a erosão de diálogo do governo petista com as ruas. Em 2016, foi substituída por uma outra, mais velha e ancorada na Lava Jato, que olhava para ela como quase esquerda também e marchou com camisas da seleção e o surgimento de movimentos como MBL até o impeachment. Em 2020, essa também foi trocada como quase esquerda por outra, a extrema direita envolvida com fake news e com as faixas de intervenção finalmente ameaçada pelo presidente.
O bolsonarismo tem o mesmo teto de apoio político que teve o lulopetismo, em torno de 30%. Mas não se pode comparar a crise global de 2008 com a crise global de 2020.
A primeira foi financeira e causou depois uma recessão no país. A segunda é sanitária e causa uma recessão imediata no mundo. Mas uma resposta descoordenada por negacionismo ou corrupção pode arrastar seus efeitos no país.
Não se pode deduzir que o governo esteja nas cordas porque teria 70% de desaprovação. Afinal, como analisam pesquisadores como Marcos Nobre, isso não significa que haja 70% do Congresso a favor do impeachment.
A sociedade civil tem reagido, com iniciativas. Mas a frente ampla esbarra nas diferenças entre suas tendências, na recusa petista de compartilhar o protagonismo da oposição e da extrema esquerda de dialogar com a direita em torno de uma bandeira mínima.
O Brasil se aproxima de regimes fechados como Coreia do Norte ou Venezuela ao dificultar a disseminação de números do coronavírus.
Nesse cenário, o bom senso das Forças Armadas (aliás, fundadoras da República, há 130 anos) é uma esperança diante de seu uso como ameaça do regime.
José Arnaldo de Oliveira é jornalista e sociólogo
Foto: Desfile 7 de Setembro de 2019 em Jundiaí