
Não deixe o autoritarismo nos dividir
Por José Arnaldo de Oliveira
Pense bem. Somos, em teoria, uma cultura diferente dos terroristas que usam falsamente o nome de Maomé para destruir estátuas de três mil anos no Oriente Médio ou mesmo dos traficantes armados com fuzis que usam o nome de Jesus para destruir terreiros de candomblé em favelas do Rio de Janeiro.
Se aceitarmos que possa haver censura a uma peça de origem inglesa com um nome de que não gostemos (como aconteceu em Jundiaí com “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”), estaremos aplaudindo a abertura da porteira para qualquer outro tipo de censura. É algo que não tem volta.
Nem mesmo quando um certo pastor chutou uma imagem de Nossa Senhora Aparecida na televisão, há muitos anos, chegou-se a esse ponto.
Entretanto, talvez agora o alvo não esteja mais na aparência, mas em algo nos bastidores que é o que se pode chamar de violência contra minorias – sejam elas a diversidade sexual, os povos indígenas, as mulheres, os nordestinos… qualquer que seja a forma do “outro”.
Antes de novamente colocarmos as coisas de um lado ou de outro, como estamos fazendo há alguns anos, cabe lembrar que a censura não veio de nenhum político mas de um juiz, a pedido de uma pessoa provavelmente ligada a uma certa entidade que se diz cristã, mas que é monarquista, elitista e que culpa as crises atuais pelos erros do liberalismo iluminista do século 18. Ou seja, algo como voltar à Idade Média. Inclusive censurando as estátuas do Renascimento.
O que acontece, desde o desastrado governo de Dilma-Temer, é que chegamos no ano passado a uma espécie de “golpe parlamentar” que trouxe uma nova dinâmica política ao interior da crise. Basta ver os diversos prefeitos encostados contra a parede por vereadores ou até mesmo cassados por razões menores. A política perdeu muito de sua sensatez.
Não podemos cair nesse jogo. Temos uma longa história de muito trabalho, de luta e de diálogo entre as diferenças para que todos os valores da civilização sejam sacrificados na barbárie. Mas não é com essa ou aquela bandeira, de partido ou movimento, que iremos encontrar a saída. É com mais união entre todos, sobre os pontos em que há convergência sem precisar ignorar os pontos em continuaremos discutindo, que será talvez possível superar a maior ameaça.
Porque não é mais de crise política, econômica ou institucional de que estamos falando. É de crise civilizatória. E a serenidade pela ordem e contra os abusos de poder é o que mais precisamos nesse momento.
José Arnaldo de Oliveira é jornalista e sociólogo