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Jundiaqui

 Os muros e as gavetas
5 de setembro de 2017

Os muros e as gavetas

Por José Arnaldo de Oliveira

 

Há pouco tempo, parecia exagerado para muitos homens (especialmente para aqueles que olham apenas pelo prisma da heteronormatividade e da branquitude) a bandeira levantada por jovens feministas com a hashtag #pelofimdaculturadoestupro. Os números e fatos reconhecidos pelo país como um dos piores do mundo nesse aspecto dissiparam a dúvida. Mas essa não é apenas uma gaveta.

Chamo de gaveta a forma de separar questões, como se esse assunto não envolvesse o direito de ir e vir de qualquer pessoa com a liberdade de escolha garantida pela Constituição. Dessa forma, está ligado com temas de muitos outros grupos sociais de nós todos.

Em outro desses temas, o skate ajudou há muitos anos a permitir que muitas meninas praticassem esportes de igual para igual com os meninos. Mas ao passar por uma etapa do Campeonato Paulista de Skate no domingo (3), pensei que ao ser reconhecido como esporte olímpico existe o risco de ser colocado também em uma gaveta.

Afinal o Sororoca já foi um ponto (com o velho half pipe) onde essa prática, ao lado de bikes ou patins, tornou-se em muitos momentos parte de uma cultura onde o fechamento aos domingos da avenida União dos Ferroviários permitia até bandas musicais ao vivo e o convívio de várias gerações ocorresse em torno disso.

Outra parte desse raciocínio enviesado foi provocado porque o evento (sem jundiaienses nos pódios de amador, profissional ou feminino) não tinha a antiga vista panorâmica de ruas próximas, agora isoladas por um muro criado há pouco tempo por causa de furtos no centro esportivo.

Muros. Podem ser pequenos ou enormes, como na Cisjordânia, no México ou em Berlim. Mas sempre simbolizam também o fim de uma certa possibilidade de convívio.

Então vivemos em tempos onde gavetas simbólicas ou muros concretos disputam com redes e espaços compartilhados os rumos do futuro. Muita gente conheceu a cidade sem muros, as empresas sem muros, as casas sem muros. Muita gente conheceu o pensamento interconectado ainda antes do pensamento engavetado. Isso apenas mostra que é uma possibilidade real, não uma hipótese. Porém o desafio é encontrar as respostas para evitar essa tendência que parece naturalizada.

Porque não é apenas pelo fim da cultura do estupro, mas é o direito à vida de todas as pessoas, de todas as idades, de todos os gêneros. Pela segurança também para todas as pessoas de andar por qualquer rua, praça ou estrada sem medo. Pela educação de todas as pessoas para o convívio, para a paz. É pelo futuro, enfim.

P.S.: Sempre admirei os praticantes de skate, mesmo não tendo conseguido me equilibrar em cima. Mas não é exatamente disso que eu estava falando, como vi certa vez sobre notas filosóficas em um estranho livro chamado “Zen e a Arte de Manutenção de Motocicletas”.

José Arnaldo de Oliveira é sociólogo e jornalista. Veja mais no site Jundiahy

A foto é de Diego Fiorese clicado por Gerson Junior

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